As lágrimas que encerraram a seca: símbolo do Botafogo em 89, gandula Sonja lembra redenção
Fora das quatro linhas, torcedora, com 12 anos em 89, foi personagem da conquista que colocou fim ao longo jejum de títulos do Alvinegro: "Um dos dias mais felizes da minha vida"
Em dezembro de 1988, lágrimas de tristeza escorreram dos olhos de Sonja Matinelli à beira do gramado do Maracanã quando o Vasco venceu o Botafogo por 3 a 0, pelo Brasileiro. Menos de sete meses depois, a torcedora mirim voltaria a chorar no mesmo palco, mas por um motivo diferente: o fim do jejum de 21 anos sem títulos do Alvinegro após vitória por 1 a 0 sobre o Flamengo.
Se dentro de campo, a imagem de Mazolinha cruzando para Maurício marcar e garantir o título carioca é inesquecível para os alvinegros, fora das quatro linhas, Sonja é outra personagem da conquista: na época aos 12 anos, ela ficou marcada como torcedora símbolo de 1989.
Trinta anos se passaram. Sonja viu o Botafogo ser campeão brasileiro e da Conmebol, mas nem o principal título nacional e a conquista internacional a fizeram esquecer o Carioca de 89.
"Consigo hoje, 30 anos depois, lembrar de todas as sensações que senti".
O choro de Sonja se tornou um marco. Depois do revés para o Vasco, o Botafogo não perdeu mais até se sagrar campeão carioca no ano seguinte.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, a torcedora, agora com 42 anos, relembra a emoção de 89:
GloboEsporte.com: Tudo começou com o choro de tristeza na derrota para o Vasco em 88. Depois daquele dia, o Botafogo não perdeu mais até ser campeão carioca. Você foi das lágrimas de tristeza às de alegria em poucos meses. Acreditava naquele time?
Sonja Martinelli: Eu fui de supetão para aquele jogo (contra o Vasco). Tinha pedido ao meu tio para ser gandula, e naquele dia fui escalada. Estava chovendo muito, e ele me pediu para ir de última hora. Já cheguei na preliminar e tinha certeza de que o Botafogo ganharia. Era uma criança, super infantil, e naquele dia estava realizando um sonho de ver os jogadores de perto. Eu acreditava totalmente no time. Tinha noção de que o time não estava bem.
No caminho, meu pai me disse: “Sonja, o Botafogo não está bem, o Vasco está melhor. Você não vá chorar, hein!”. Eu dizia que o Botafogo me daria uma vitória de presente. Eu sempre fui muito emotiva, ficava sentida quando o Botafogo perdia. No ano seguinte, uma redenção magnífica, aquele ano tinha que ser da gente. Foi tudo mágico. Eu fui acreditando naquele título com o passar dos jogos, o Botafogo passou a não perder.
Em um jogo específico foi que eu vi que o Botafogo poderia ser campeão. O Flamengo ganhava por 3 a 1 e nós conseguimos empatar, inclusive com um gol contra do Gonçalves (na época rubro-negro e posteriormente ídolo do Botafogo). Ali eu percebi que poderíamos ser campeões.
"Aquele 21 de junho de 89 foi um dos dias mais felizes da minha vida".
O que te levou ao choro na derrota para o Vasco? O que te deixou mais indignada naquele dia?
Indignada eu fiquei pela derrota, porque não esperava. Era um sonho que eu estava realizando e achei que o dia seria perfeito. Não foi. Entendi muito bem na época que o time do Vasco era superior ao do Botafogo. Me conformei, mas chorei porque foi uma decepção.
Depois acabou que conheci todos os jogadores, participei de vários eventos, foi aquele auê todo na minha vida, de reportagens. Isso levo com muito carinho. Foi um dia marcante.
Eu era uma criança, fiz uma coisa super sem propósito, sem intenção de aparecer. Simplesmente abaixei a cabeça e chorei. Estava emocionada. Eu curti muito na época, mas fiquei um pouco assustada depois com o assédio da imprensa. Nos jogos, torcedores vinham falar comigo, pegavam autógrafos, tiravam fotos. Eu falava para o meu pai: “Não quero fazer isso, não sou artista”.
Mas você gosta de ser considerada torcedora símbolo de 89?
Eu gosto, mas não me sinto assim. Com toda a energia que envolvia aquele ano, os jogos, tinha que ser nosso. Botafoguense é muito supersticioso, e teve aquela coisa de que desde que chorei o Botafogo não perdeu mais. Acho magnífico. Eu acho o máximo as pessoas terem esse carinho por mim, me associarem ao título, apesar de que eu não sou supersticiosa. Associam o meu choro a uma energia que dei para o time.
Você disse que não é supersticiosa, mas sentiu alguma coisa diferente no dia daquele jogo? Fez alguma promessa, por exemplo?
A torcida do Botafogo estava tão carente de um título, que a gente se apegava a tudo. Como falei, não sou supersticiosa. Não uso a mesma roupa. Acho que as coisas acontecem quando têm que acontecer. Tudo conspirava para aquele título ser nosso. Acho que o meu choro teve uma repercussão por dois motivos: o jejum de títulos e por eu ser uma menina. Uma menina botafoguense, de 12 anos, chorando pelo Botafogo, a quem ela nunca tinha visto ganhar... Naquele ano, era mais comum uma criança ser flamenguista. Foi uma década gloriosa para o Flamengo. Meu irmão é flamenguista fanático. Acho que meu nome também teve um peso, não via uma Sonja naquela época. O nome também marcou.
No dia do jogo, eu senti que podíamos ganhar. O dia inteiro eu fiquei com a Globo fazendo uma matéria conhecendo a sede antiga com Nilton Santos e Didi. Eu tenho o Nilton Santos como maior ídolo no esporte, e ele foi super atencioso comigo. Pensei: “Esse não pode ser um dia qualquer. Uma coisa boa tem que acontecer”. Eu estava conhecendo o “cara”, conhecê-lo foi o sinal de que algo de bom iria acontecer. Meu pai e meu tio sempre falava dele. Foi um dia perfeito.
O título de 89 tirou o peso das costas dos jogadores. Depois vieram outras conquistas, como o Brasileiro e a Conmebol. Você acha que alguma delas supera o estadual daquele ano?
Estamos carentes de alegrias, mas nada pode se comparar àquele ano. O time do Flamengo era infinitamente superior ao nosso. Foi uma garra, uma paixão que só quem viveu consegue tentar explicar o que aconteceu. Ainda me emociono muito vendo jogos daquela época.
Fiz jornalismo por acreditar que a gente sempre tem que lidar com a verdade, queria fazer assim. Gostava muito de ler e escrever, acha que era meu dom. Não teve ligação com o Botafogo. Também fiz pós em RH e, hoje, sou analista de RH. Adoro o que eu faço, mas ainda tenho vontade de voltar para o Jornalismo, que sempre foi minha paixão.
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