Portador de ELA é exemplo de interação nas redes sociais e 'fala' com os
olhos da alegria de viver: 'Me inspiro em Stephen Hawking'
O mineiro Enilton Barbosa se comunica através de um computador adaptado
doado pela Associação Pró-Cura da ELA; nas redes sociais, ele manifesta
gratidão e amor pela vida.
Os olhos estão sempre atentos à tela
do computador e é com eles que o mineiro Enilton Barbosa, de 46 anos, interage
com o mundo transmitindo o quanto ama viver.
Mesmo portador da doença degenerativa
Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) há oito anos, doença que lhe tirou todos os
movimentos do corpo há três, não deixa de participar ativamente das redes
sociais, onde esbanja alegria e carisma.
A ELA é uma doença sem cura, de causa
desconhecida, que provoca a morte gradativa de neurônios responsáveis pelos
movimentos, gerando atrofia e fraqueza musculares. Raciocínio, visão, paladar,
olfato e tato não são afetados (leia mais ao final da reportagem).
Enilton Barbosa tem um canal no YouTube em
que compartilha momentos do seu dia a dia. A inspiração dele vem do cientista e
físico britânico Stephen Hawking, que sofria da mesma
doença e morreu em março de 2018, aos 76 anos.
“Muitas
pessoas não conhecem a ELA, gosto de compartilhar para as pessoas conhecerem a
doença. Eu sou muito feliz e aconselho as pessoas a viverem a vida com
felicidade, a vida é muito boa. Aproveitem ao máximo", diz.
Enilton, que é da cidade de Montes
Claros (MG), usa um notebook que tem um mouse óptico com câmeras que leem o
movimento dos olhos e, através da voz robótica produzida pelo aparelho, ele
consegue expressar sentimentos e emoções. E foi assim que ele recebeu a reportagem
do G1 em sua casa, onde
vive com a esposa com quem é casado há 26 anos.
Enilton considera o pesquisador Stephen
Hawking um “exemplo de vida”. Hawking foi um dos cientistas
mais conhecidos do mundo e sobreviveu por décadas com a doença degenerativa.
A perda dos movimentos não
representou o fim dos sonhos de Enilton, um deles muito especial.
“Eu
tenho sonho de descobrir a cura da Esclerose Lateral Amiotrófica porque
acredito em Deus e nos homens”.
Da paixão pelo
futebol ao diagnóstico
Enilton conta que não conhecia a
doença até receber o diagnóstico.
“Os primeiros sintomas foram a fala
arrastada e a mão foi atrofiando. Quando descobri a doença, foi um baque
grande, eu chorei muito. Eu não conhecia e comecei pesquisar”.
Na época, o então motorista de ônibus tinha uma grande paixão: o
futebol.
“Eu amo futebol, mas tive que parar há
8 anos, quando adoeci. Eu comecei jogando com 15 anos no time da Vila Craranha
Bela Vista, disputei a Copa da Rádio Sociedade e depois fui morar em Brasília
onde disputei no time de base do Gama, no time amador Itamaracá e no time do
Sindicato dos Rodoviários de Brasília”.
Tratamento e a grande ajuda
Enilton vive ligado a vários
aparelhos em uma mini UTI que foi montada na sala de casa. Os equipamentos
foram doados pela Associação Pró-Cura da ELA, com sede em São Paulo.
“Eu
estou vivo graças a Deus, ao meu amigão Jorge Abdalla [presidente da
associação] e a minha esposa. Sou muito feliz e, se não fosse a associação, eu
não teria essa qualidade de vida. E isso é muito importante para um portador de
ELA”.
A associação oferece o notebook com
um mouse óptico, que permite a comunicação pelos olhos, ventilador mecânico
(aparelho para respirar), aparelho de tosse, um guincho para transferi-lo da
cama para a cadeira de rodas e um umidificador para evitar secreção.
“Os aparelhos custam cerca de R$ 66
mil e a associação vive de doações. As vezes é difícil conseguir doadores
porque as pessoas preferem ajudar uma causa que tenha cura. Mas com os
aparelhos os pacientes podem ter qualidade de vida e viver por muito mais anos.
Apesar de não se locomoverem, os pacientes com ELA são muito felizes e gratos a
Deus pela vida”, afirma o presidente da associação, Jorge Abdalla.
A ajuda também vem da
Prefeitura. A mini UTI, conta com um concentrador de oxigênio e um oxímetro
emprestados pelo município. A família ainda recebe fraudas e é assistida pelo
programa Melhor em Casa, do Ministério da Saúde, com a visita de
fisioterapeuta, médico, psicólogo, nutricionista e fonoaudiólogo.
Enilton é monitorado
24 horas pela esposa e por técnicas de enfermagem que são contratadas pela
família. Para arcar com as despesas, a esposa pede ajuda da população e faz
feijoadas para vender.
“Ele recebe R$ 1.350
por mês e o gasto com as enfermeiras é de R$ 2.600, eu preciso delas porque não
consigo cuidar dele sozinha. Também tenho gasto com uma pomada que ele usa que
custa R$ 80 e um remédio para evacuar que custa R$ 60. Faço feijoada uma vez ao
mês para arrecadar o dinheiro e conto com ajuda de amigos”, conta Célia
Valéria, mulher de Enilton.
Compartilhando alegrias
Ouvir música, conversar pelo Whatsapp e assistir a filmes. Esses são os programas prediletos do Enilton, mas ele também não abre mão de um bom passeio. Com a ajuda da esposa e dos profissionais do Melhor em Casa, ele costuma ir a shoppings, cinema, clube e à casa de amigos.
“Eu gosto muito de passear, gosto de ver as pessoas e encontrar os amigos. Eu me sinto mais feliz, me sinto vivo”.
O último passeio ao clube foi no final do mês de novembro e os momentos foram registrados pela esposa. O vídeo está postado no canal do Youtube e as fotos no Facebook. Na legenda, ele diz: "As pessoas deve achar que um passeio desse não faz diferença para elas [profissionais do Melhor em casa], mas para mim dá uma vontade de viver mais e mais".
“Nós marcamos com antecedência no
transespecial [veículo da prefeitura que transporta pessoas com dificuldade de
locomoção], que nos pega aqui em casa. Nos comunicamos com as médicas e as
técnicas de enfermagem, porque são muitos equipamentos pra levar. Ele vive tão
bem que não parece ter ELA”, conta a esposa Célia.
A fonoaudióloga Cíntia Martins
Silqueira acompanha Enilton há 6 anos e sempre que é possível vai aos passeios.
“Eu
ajudo com prazer mesmo, é gratificante ver o olhar de satisfação e poder
oferecer o mínimo de qualidade de vida para ele”, diz Cíntia.
Nesse período, Cíntia aprendeu lições
que serão levadas pra vida toda.
“Eu
aprendi a ser grata com os mínimos detalhes e dar mais valor à vida. Enilton é
uma bênção que Deus colocou na minha vida. Mesmo nessa situação, ele é
totalmente de bem com a vida, positivo e sempre acredita que as coisas vão dar
certo”.
Associação Pró-Cura
da ELA
A Associação Pró-Cura da Ela foi criada
em 2013 e atende 1.300 pacientes com ELA em todo o Brasil. Vinte profissionais
ajudam no trabalho voluntário.
“Além dos aparelhos que dão uma
qualidade de vida aos pacientes, a associação também oferece informações
médicas, fisioterapia respiratória, fisioterapia motora, nutrição, terapia
ocupacional, psicologia e medicamentos. Os atendimentos são na sede da
Associação e também por telefone e pela internet”, explica o presidente Jorge
Abdalla Júnior.
Segundo ele, no país cerca de 14 mil
pessoas são portadoras da doença. Os pacientes que dependem exclusivamente do
SUS e não recebem a ajuda de uma associação sofrem muito, conforme explicou o
presidente da entidade.
“Normalmente, essas pessoas precisam
morar no hospital para ficarem ligadas nos aparelhos porque é difícil o governo
ter esses equipamentos para todos. Se não fosse a associação, muitas pessoas
que estão vivas hoje poderiam estar mortas. Estão vivas e com qualidade de
vida”, conta Abdalla.
A ideia de criar a associação começou
depois que Jorge, que é empresário do setor de estacionamentos, conheceu a
advogada Alexandra Lebelson Szafir, portadora de ELA. Os dois fizeram amizade
pela internet e conversavam sobre diversos assuntos, mas Jorge não sabia que
Alexandra tinha a doença até receber de presente a segunda edição do livro
DesCasos, escrito pela advogada.
“No prefácio dizia que ela era
portadora de ELA. Aí eu marquei para conhecê-la pessoalmente, eu não sabia nada
sobre a doença e ao chegar na casa dela, eu fiquei chocado. Ela estava acamada,
não falava e vivia ligada nos aparelhos. Eu chorei muito neste dia e ofereci
ajuda”.
A resposta de Alessandra está
guardada na memória do empresário.
“Ela
disse: eu não preciso de ajuda, eu sustento minha casa, educo meus filhos e
ajudo pessoas que têm ELA e que não têm a mesma condição minha”.
A partir deste dia, os dois começaram
a fazer ações para adquirir computadores para ajudar na comunicação dos
pacientes com ELA. Na época, o equipamento custava R$ 40 mil. Com o passar dos
meses, Jorge percebeu que os pacientes precisavam de muito mais e nasceu a
associação.
“Faltava informação, cadeiras de
rodas, atendimento especializado. A associação nasceu com o propósito de levar
conhecimento e uma ajuda para pacientes carentes. Hoje nós fazemos cursos de
capacitação nas capitais para levar informações sobre a doença para os médicos.
As fonoaudiólogas e fisioterapeutas do programa Melhor em Casa, em Montes
Claros, também já participaram dessa capacitação em São Paulo”.
Alexandra foi diagnosticada em 2005 e faleceu em 2016,
e o empresário deu continuidade ao trabalho voluntário. Atualmente, ele dedica
sete horas do dia para ajudar pacientes com ELA e diz que teve a vida
transformada.
“Eu
passei a enxergar o mundo de outra forma depois de ver esses pacientes com essa
doença grave felizes. O que eu mais escuto deles é como ‘Deus é bom, eu tive
sorte’. É uma lição de vida constante está no meio deles. Essa doação diária é
um presente para mim e recebo tudo em dobro de Deus”, fala emocionado.
Entenda a doença
A esclerose lateral amiotrófica é uma doença degenerativa faz
parte de um grupo de doenças do neurônio motor, que afeta as células que se
conectam e controlam os músculos.
“A doença leva a uma fraqueza
muscular e atrofia intensa em todos os músculos do corpo, até da fala,
deglutição e respiração, o que leva a morte”, explica o médico neurologista
Rodrigo de Holanda Mendonça. Ele é especialista em doenças neuromusculares e
voluntário da associação há 1 ano e meio.
O especialista esclarece que o
diagnóstico é puramente clínico e deve ser feito por um neurologista, mas
exames como a eletroneuromiografia e a ressonância magnética de crânio e coluna
dão suporte ao diagnóstico. Os sintomas derivam da fraqueza e atrofia muscular,
que podem começar na perna, braço, mão ou na musculatura da face.
"Não existe um tratamento específico
pois não se sabe a causa exata que inicia a neurodegeneração desses neurônios
motores. Portanto, a ELA, em sua maioria, é idiopática [de causa espontânea ou
desconhecida], mas em cerca de 10% [dos casos] conhece-se bem a causa, que é
genética. A única droga aprovada no Brasil é o Riluzol que apenas lentifica a
evolução da doença. Portanto, o tratamento baseia-se ainda em terapias de
suporte para melhorar a qualidade de vida”.
Segundo o especialista, existem
diversas pesquisas sendo feitas com tratamentos específicos para os casos
genéticos, inclusive com ensaios clínicos em andamento nos EUA.
“A
partir do momento que conseguirem tratar efetivamente esse grupo de pacientes
com ELA de causa genética, abre-se uma esperança para os demais pacientes”, conclui.
fonte: g1.globo.com
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